Solenidade do Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo

28/05/2013 09:30

 

Solenidade do Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo

Saciar a fome do povo

 

1ª Leitura: Gn 14,18-20
Sl 109
2ª Leitura: 1Cor 11,23-26
Evangelho: Lc 9,11b-17

11 Jesus acolheu-as, e falava a elas sobre o Reino de Deus, e restituía a saúde a todos os que precisavam de cura. 12 A tarde vinha chegando. Os doze apóstolos se aproximaram de Jesus, e disseram: «Despede a multidão. Assim eles podem ir aos povoados e campos vizinhos para procurar alojamento e comida, porque estamos num lugar deserto.» 13 Mas Jesus disse: «Vocês é que têm de lhes dar de comer.» Eles responderam: «Só temos cinco pães e dois peixes… A não ser que vamos comprar comida para toda esse gente!» 14 De fato, estavam aí mais ou menos cinco mil homens. Mas Jesus disse aos discípulos: «Mandem o povo sentar-se em grupos de cinquenta.» 15 Os discípulos assim fizeram, e todos se sentaram. 16 Então Jesus pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu, pronunciou sobre eles a bênção e os partiu, e ia dando aos discípulos a fim de que distribuíssem para a multidão. 17 Todos comeram, ficaram satisfeitos, e ainda foram recolhidos doze cestos de pedaços que sobraram.


* 10-17: Lucas salienta que o fato aconteceu em lugar deserto. Trata-se do povo de Deus em marcha pelo deserto, saciado pelo alimento que o próprio Deus concede. O alimento é dom de Deus. Mas os apóstolos, que são o núcleo da comunidade que cria a nova história, precisam não só perceber que o povo está desabrigado e passa fome, mas também organizar esse povo e providenciar para que o alimento seja distribuído de tal maneira que todos se sintam saciados. A Eucaristia é o sacramento do dom de Deus repartido entre os homens.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral


Reflexão – Lc 9, 11-17

A Eucaristia é o grande alimento que Jesus deixou à sua Igreja para ser distribuído, em todos os tempos e lugares, a todas as pessoas, a fim de que sejam satisfeitas no sentido da presença da graça em suas vidas. É da responsabilidade de todos nós, que no sacramento do batismo nos tornamos Igreja, a distribuição desse alimento. Quando se fala em distribuição da Eucaristia, logo as pessoas pensam nos ministros extraordinários da comunhão eucarística, mas todos devem, ao seu modo, colaborar para que todas as pessoas possam receber este sacramento. Porém, o modo comum em que todos podem e devem colaborar é o trabalho evangelizador, a fim de que todas as pessoas conheçam Jesus e queiram recebê-lo sacramentalmente.

Dom de Cristo à sua Comunidade

Neste ano “lucano”, vale a pena considerar o evangelho de Corpus Christi (a multiplicação dos pães) sob o ângulo de Lucas. Quando se compara seu texto com o paralelo de Mc, nota-se uma extrema simplificação. Em Mc, a multiplicação do pão está no fim da missão dos discípulos, que inclui a narração retrospectiva da morte de João Batista, ensejada pela opinião de Herodes sobre Jesus (Mc 6,14-29). Lc conserva a pergunta de Herodes, aliás, numa forma mais acentuada que em Mc; enquanto em Mc Herodes fica duvidando se Jesus seria João voltado à vida, em Lc 6,9 a pergunta é: “Quem é este, de quem eu ouço tantas coisas?” E omitindo a retrospectiva da morte de João (mencionada em 3,19-20), Lc traz imediatamente a multiplicação do pão (6,10-17). Depois, omite toda a matéria de Mc referente à segunda multiplicação do pão (para que duas vezes contar a mesma história?) e traz imediatamente, como contrapeso da pergunta de Herodes, a pergunta de Jesus: “Quem dizem os homens que eu sou?”, com a resposta de Pedro: “Tu és o Messias de Deus” (9,18-22; cf. Mc 8,27-29). Assim, para Lc, a multiplicação dos pães sugere a resposta à pergunta de Herodes (“Quem é este?”), no sentido de que Jesus é o Messias (como diz Pedro). Lc apresenta a multiplicação dos pães como um sinal messiânico; a própria situação do acontecimento era messiânica: Jesus estava falando do Reino de Deus (9, 11).

Ora, esse sinal messiânico tem, em Lc como nos outros evangelhos, feições eclesiais. Todos os evangelistas acentuam a maneira “eucarística” com que o pão é dado à multidão: “Tomando os cinco pães … levantou os olhos para o céu, pronunciou a bênção sobre os pães e repartiu-os e deu-os aos discípulos, para que os entregassem à multidão” (9,16). Parecem as palavras da Consagração. A eucaristia da Igreja é a plenitude daquilo que Jesus “assinalou” na multiplicação do pão. Mas essa plenitude passa por um momento transformador: a cruz de Cristo. Isso, no-lo ensina a 2ª  leitura, relato paulino (e lucano) da instituição da Ceia: Jesus dando ao pão e ao vinho da mesa pascal o sentido de serem seu corpo e sangue dados por nós no sacrifício da cruz. O verdadeiro messianismo de Cristo, a verdadeira libertação, não ocorreu lá nas colinas do mar da Galiléia, mediante a saciação da fome, mas na colina do Gólgota, quando não o pão material, mas a vida do Justo e Servo de Deus foi dada em prol dos homens. Não um pedaço de pão, mas uma vida justa dada até a morte é o que liberta os homens. O pão pode ser disso o sinal muito significativo e, quem sabe, necessário, pois o próprio Justo e Servo escolheu este sinal.

Pão e vinho - comida ao mesmo tempo simples e festiva, cotidiana e solene -, foi o que o misterioso rei e sacerdote do Altíssimo (portanto, do Deus de Abraão), Melquisedec, ofereceu como sacrifício e ágape quando do encontro com Abraão (1ª  leitura). Não sacrifícios sangrentos, que podem sugerir algum efeito mágico, mas os dons de Deus para a vida cotidiana. Dom que Deus deu à sua Igreja com um sentido bem mais rico do que Melquisedec podia suspeitar!

Do dom de Deus, Melquisedec fez sua oferta a Deus. Nós também oferecemos a Deus o dom que ele nos deu: o pão e o Messias-Servo, que o pão significa. Estabelece-se assim a comunhão que o próprio pão e vinho sugerem (cf. Lc 22,15-20). No pão que sacia a família humana oferecemos a Deus nossa comunhão com seu dom por excelência, Jesus, dado por nós. Mas então é inadmissível que a comunidade cristã deixe seus membros sem o pão de cada dia. Isso é um pecado contra “o corpo do Senhor”, nos ensina Paulo (2ª leitura), (“corpo” tem o sentido do Cristo presente na Eucaristia, mas também, da comunidade eclesial). Ora, isso aí nos convida a um sério exame de consciência! Será possível ter comunhão no pão que é o corpo dado por todos, se não nos damos mutuamente o pão de cada dia, alimento do corpo que é a comunidade. O cristianismo não é um espiritualismo, uma fuga em belas idéias sobre Deus. O cristianismo é a religião da Encarnação. Ser Messias, para Jesus, significa dar pão em sinal do dom de si mesmo. A Igreja, trilhando o caminho do Cristo, não pode deixar de fazer a mesma coisa. “Vós mesmos, dai-lhes de comer” (Lc 9,13).

Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes.

Eucaristia, banquete universal 

O distintivo dos primeiros cristãos era a refeição comunitária (cf At 2,32-34 etc.). O gesto de Jesus reunindo o povo no deserto e providenciando milagrosamente pão para todos (evangelho) é um símbolo da Igreja. Jesus quis ficar presente na Igreja no sinal da refeição aberta a todos que aderissem a ele – muito diferente daqueles banquetes onde geralmente só se convidam as pessoas da mesma classe, ou os que podem pagar…

A multiplicação dos pães é sinal messiânico, sinal dos tempos em que tudo acontecerá conforme o desejo de Deus, sinal do Reino de Deus: fartura e comunhão. Mas é ainda prefiguração. A refeição à beira do lago da Galiléia se tornará completa somente quando Jesus der seu próprio corpo e sangue, na cruz. Então já não será passageira: será uma realidade de uma vez para sempre, no sacramento confiado à Igreja. Este é também o sentido profundo que a Igreja vê no misterioso pão e vinho oferecidos pelo sumo sacerdote Melquisedec, a quem até o pai Abraão presta reverência (1ª  leitura).

A Eucaristia deve, então, ser verdadeiro banquete messiânico, sinal dos tempos novos e definitivos, em que as divisões e provações são superadas, na vida da fé em Cristo Jesus. A desigualdade, o escândalo de super-ricos ao lado de pobres morrendo de fome, a marginalização são incompatíveis com a Eucaristia (2ª  leitura). Na Eucaristia, Cristo identifica a comida partilhada com sua própria vida e pessoa. O pão repartido se torna presença de Cristo. Onde não se reparte o pão, Cristo não pode estar presente.

Tudo isso dá o que pensar. Na multiplicação dos pães, Jesus não fez descer pão do céu, como o maná de Moisés. Nem transformou pedras em pão, como lhe sugerira o demônio quando das tentações no deserto. Mas ordenou aos discípulos: “Vós mesmos, dai-lhes de comer” … e o pão não faltou. Porém, se não observarmos esta ordem de Jesus e não dermos de comer aos nossos irmãos, ele também não poderá tomar-se presente em nosso dom. Então, não só o pão, mas Cristo mesmo faltará.

Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes

 

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